ARTE E PALAVRA
12 na e para o desenvolvimento pessoal. Não sei se todos conhecem essa história. Resumidamente, o rei Laio de Tebas ouve uma profecia de que será assassinado pelo filho que vai nascer, e este virá a desposar a mãe, a rainha Jocasta. Quando a criança nasce, Laio manda matar esse filho, mas o criado encarregado se penaliza e o entrega em outro reino, no qual é adotado. Adulto, Édipo ouve falar da profecia e, imaginando serem os pais adotivos os verdadeiros pais, ele foge. No caminho, cruza com a comitiva de Laio, que o ofende, e, na luta, Édipo o mata. Uma esfinge ate- moriza Tebas, Édipo a derrota e, como prêmio, esposa a rainha viúva, Jocasta. Mais adiante, ao saber que a profecia se cumpriu, Édipo se cega e se exila na cidade de Colona. Freud viu nessa história um funcionamento universal em que a criança se apaixona pelo pri- meiro objeto de amor, que é a mãe ou sua subs- tituta, e procura assumir o lugar do pai. O conto nos mostra um menino em estado de enlevo pela mãe e desejoso de sair com ela como substituto desse pai. “Na rua, ele andava pisando forte, o queixo erguido, os olhos acesos. Tão bom sair de mãos dadas com a mãe. Melhor ainda quando o pai não ia junto, porque assim ficava sendo o cavalheiro dela”. Ao descobrir que a mãe não tem olhos so- mente para si, a criança vê o pai (ou alguém que exerça essa função, muitas vezes até a própria mãe, comum em mães solteiras) como um rival. Por conta disso, a criança fica curiosa sobre o que os pais fazem, se perguntando por que ela ficaria excluída de momentos da intimidade deles, no escurinho do cinema, que nem é tão escuro as- sim, ou no escurinho do quarto fechado com os ruídos que os pais fazem, assim como no conto os ruídos do quarto estão substituídos pelos ba- rulhos que o menino ouve, vindos da tela. Com a convivência contínua, se o núcleo familiar está funcionando sem conflitos graves, a criança reco- nhece no pai um objeto de amor e se identifica com esse pai (como se diz, “tal pai, tal filho”), e passa a aceitar que haja situações do casal em Crianças, quando brincam, contam histórias através das brincadeiras; sonhamos histórias durante o sono, algumas esquisitas ou até assustadoras, e, ao longo do dia, não é incomum nos pegarmos devaneando histórias que chamamos tecnicamente de fantasias, que sempre revelam algo sobre o devaneador. “ ” que se está de fora como, por exemplo, do re- lacionamento sexual dos pais. Essa descoberta é sofrida de início, mas essencial para o desenvolvi- mento psíquico futuro da criança, que precisará ser capaz de tolerar certo grau de frustrações e aceitar as diferenças entre os sujeitos. Lygia Fagundes Telles, com sua maestria, des- creve com sensibilidade e densidade narrativa esse momento. A escolha pela mãe da fila de cadeiras em que havia três lugares vazios complementa a preparação a que o conto nos leva com os cuida- dos vaidosos da mãe e sua ansiedade na entrada do cinema. Através desse relato em que sonhamos junto com a autora, antevemos o pesadelo do me- nino. Ele está excluído daquela intimidade que mal consegue compreender, com um agravante – não é ele o substituto do pai. Na volta para casa, ve- mos ummenino com raiva e humilhado. A mãe do amigo Júlio, que, na ida, era “grandalhona e sem graça” em contraposição à mãe do menino, se torna alguém “Dona Margarida”, talvez, na mente infan- til, com menor risco de ser desejada, ou agora até invejada como uma mãe melhor, uma mãe com nome que não deixa o filho no desamparo em que o menino estava. No conto, somente Júlio e a mãe têm nomes próprios, uma identidade mais defini- da; no conceito psicanalítico, uma situação edípica melhor resolvida. Ao chegar a casa, ao contrário do início do conto, em que ele estava tão senhor de si, temos um menino dilacerado diante de um pai de cabelos grisalhos, provavelmente bem mais velho que a mãe de trinta e poucos anos, diferente do ou-
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