Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4
85 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. casos, por meio de um laudo médico que assegure que o desvio, que desestabiliza a matriz cis-heternormativa, é fruto de uma patologia, e portanto, pode e deve ser corrigido. Medicina e Direito funcionam como a máquina de corte , como Guedes descreveu, articulando-se para conformar e adequar corpos de forma binária e controlada. Manter a segurança jurídica inclui tam- bém não atestar algo que contradiga a verdade, a realidade. No en- tanto, a verdade esperada está dentro de uma matriz cis-heterosexual que pede uma coerência entre sexo, gênero e desejo. No trajeto de pessoas transexuais, travestis e transgêneras para reconhecimento da própria identidade de gênero, percebemos diversos empecilhos e eta- pas de controle social, onde o Direito tem participação direta. Moira diz que “a verdade da pessoa trans não pode ser averiguada com base em um conjunto fechado de regrinhas, como a Medicina insiste em nos dizer”. 152 E, acrescentaríamos, que o Direito insiste em reproduzir. Apesar dos grandes avanços na jurisprudência do tema lidera- dos pelas mais altas cortes brasileiras, percebemos que ainda há resis- tência e reprodução de discursos discriminatórios e patologizantes nos Tribunais brasileiros, mesmo quando o pedido de alteração de registro é julgado procedente. A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social e/ou o apego a leis quinquagenárias (como a de Registros Públicos) não podem servir de óbice à efetivação de princípios consti- tucionais que tutelam a vida digna, a felicidade e a cidadania de pesso- as transexuais, travestis e transgêneras. Enquanto os aplicadores da lei preferirem olhar os processos e laudos médicos ao invés das pessoas de carne e osso por detrás deles, continuaremos discriminando mino- rias e reproduzindo práticas que invisibilizam experiências, corpos e vidas humanas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATHAYDE, A. V. L. Transexualismo masculino. Arq Bras Endocri- nol Metab, São Paulo, v.45, n. 4, p. 407-414, 2001; 152 MOIRA, Amara [et all] . Vidas trans: a luta de transgêneros brasileiros em busca de seu espaço social. São Paulo: Astral, 2017, p. 11
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