Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4
8 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. inserir uma perspectiva social para compreensão do tema. O controle dos corpos e desejos é historicamente exercido duplamente pela Me- dicina e pelo Direito, que regulam quais identidades são consideradas saudáveis e, portanto, passíveis de reconhecimento jurídico, e quais são desvios, doenças, sendo invisibilizadas no campo jurídico. A perspectiva puramente biomédica do termo “sexo” assume, à primeira vista, um caráter unívoco, associado à sua dimensão natural, cromossômica. Como veremos, esse discurso ainda está muito presen- te no discurso jurídico. Diversos estudiosos trataram desse paradigma médico-biológico para lidar com a sexualidade (e aqui, além do gêne- ro, inclui-se também a orientação sexual). O discurso médico promoveu historicamente a segregação e dis- criminação de sexualidades e identidades desconformes com práticas e vivências sexuais/identitárias hegemônicas. Em “A História da Sexu- alidade”, Foucault problematiza o binômio sexo/natureza, abordando o sexo de forma histórica, onde a psiquiatrização do “prazer perverso” seria um de seus pilares. A tentativa de explicar o “fenômeno transexual” data de meados do século XX, quando o discurso médico 2 começou a buscar indica- dores de doenças para lidar com a sexualidade, diferenciando, assim, diferentes comportamentos. 3 Alguns autores 4 descrevem como a tran- sexualidade recebeu um tratamento patologizante, associado à ideia de “disforia de gênero”, que obtinha na cirurgia de transgenitalização a sua “cura”. O discurso médico assumiu como paradigma o sexo biológico, e qualquer deslocamento de desejo de pertencimento ao 2 Adotaremos a expressão discurso médico de uma perspectiva foucaultiana para designar um saber-poder que aprisiona a sexualidade em categorias de patologias. Para Revel, a perspectiva foucaultiana do termo “discurso” designa “em geral, para Foucault, um conjunto de enunciados que podem pertencer a campos diferentes, mas que obedecem, apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns. Essas regras não são somente linguísticas ou formais, mas reproduzem certo número de cisões historicamente determinadas (por exemplo, a grande separação entre razão/ desrazão): a ‘ordem do discurso’ própria a um período particular possui, portanto, uma função normativa e reguladora e coloca em funcionamento mecanismos de organização do real por meio da pro- dução de saberes, de estratégias e de práticas”. Cfr. REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais / Judi- th Revel; tradução Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez, Carlo Piovesani. - São Carlos: Claraluz, 2005, p. 37. 3 BENTO, Berenice Alves de Melo. O que é transexualidade, São Paulo: Brasiliense, 2008, p. 95 4 Conferir, especialmente, Leite, Op. Cit., Bento, Op. Cit. e CASTEL, Pierre-Henri. Algumas reflexões para es- tabelecer a cronologia do “fenômeno transexual” (1910-1995). Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n. 41, 2001.
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