Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4
70 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. Embora a argumentação que indefere a alteração do sexo no re- gistro civil esteja claramente influenciada por um raciocínio jusnatura- lista, observou-se também nos casos de indeferimento de alteração do “sexo” registral uma postura legalista. Paradoxalmente, as duas postu- ras foram adotadas na mesma decisão, que compreendia a possibilida- de de alteração do nome como exceção decorrente de previsão legal devido ao constrangimento, mas não permitia a alteração do sexo, pois, “não cabe ao Direito sobrepor-se a tal lei natural”; ou já que a elabora- ção de regras não deve alterar “a natureza das coisas tal como existente antes mesmo do surgimento da ciência jurídica”. Por outro lado, a argumentação que sustenta a possibilidade de al- teração do sexo está igualmente fundamentada em argumentos de direito natural, mas articulada de forma diversa. A dignidade da pessoa humana não só justifica, mas garante o direito à alteração do gênero no registro civil para que este se compatibilize com a autopercepção do indivíduo. A compreensão de uma vida digna está ancorada em ideais jusfilosóficos e tutelam, nas palavras de Fachin, “o autorreconhecimento e o reconhe- cimento da comunidade em consonância com o reconhecimento de si mesmo” 127 . Ademais, como sustentado em diversos acórdãos e no REsp 1.626.739/RS o princípio da dignidade da pessoa humana impede a sub- missão do direito à cirurgia de transgenitalização como pré-requisito para o direito à alteração registral, por ser invasiva, pouco acessível e, em alguns casos, somente admitida de forma experimental. O que diferencia ambos os argumentos de cunho jusnaturalista é, de acordo com Fachin, a “observância à realidade social” 128 , ausente nos julgados que indeferem a alteração do sexo registral. Oministro ainda sus- tenta que o direito deve estar em consonância com as “modernas teorias sociais de gênero, que não se subsumem apenas a um normativismo pro- veniente da anatomia” para considerar os elementos socioculturais e histó- ricos da definição de gênero, garantindo uma função social para o gênero que compreenda “a felicidade e qualidade de vida do indivíduo” 129 . 127 Fachin, Op. Cit., p.55 128 Ibdem, p.57 129 Ibdem, p. 56
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