Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4

61 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. Vemos que para se firmar enquanto unidade, a transexualidade passou a ser entendida como uma patologia e seus “portadores” se- riam, portanto, vítimas sem escolha diante do acaso, tal como qualquer outro portador de alguma enfermidade. Por outro lado, o viés perverso da cis-heteronorma manteve o status de vilão da homossexualidade ao manter o status de marginalidade, como uma prática sexual, um desvio moral a ser condenado. Toda essa construção médico-jurídica que discrimina transexu- ais por meio da patologização e homossexuais por meio de um julga- mento moral, desvelada por Leite em sua obra, pode ser observada no voto do julgador, ao citar um doutrinador cuja obra é contemporânea do julgamento de Farina, ou seja, 1979. Repleta de equívocos, a compreensão do doutrinador, além de homo/transfóbica, também apresenta premissas argumentativas misógi- nas, pois parte do pressuposto de que existem, em suas palavras, “tarefas femininas”, que são realizadas por mulheres transexuais “com naturalida- de e sem afetação”. De forma diferente, ainda de acordo com o pensa- mento do autor, os homossexuais adotam comportamento “efeminado” “não autêntico”, pois têm uma identidade masculina e se “transveste(m) para atrair certos homens”. Por não estar “em conflito com a sua condi- ção”, “o homossexual” passa a ser considerado um risco para a mascu- linidade heterossexual, enquanto “o transexual” busca uma adequação por meio cirúrgico. As experiências de trans e homossexualidade são tomadas em termos universalizantes: “o transexual” e “o homossexual”. Igualmente equivocadas são as ideias apresentadas no voto de que a homossexualidade está ligada necessariamente à “efeminação” e de que a transexualidade pressupõe a negação do próprio órgão ge- nital. Essa segunda afirmação, como veremos, é reiterada em alguns votos e decorre de uma compreensão universal do que significa a tran- sexualidade, além de ser sempre apresentada de forma binária. De maneira geral, os julgadores se referiram aos demandantes como “transexual”, mesmo quando elementos nos autos indicavam que se tratava de homens ou mulheres transgênero/as. Ao adotar o tratamento universalizante de “transexual”, a realização ou não de cirurgia de rede-

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