Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4

54 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. passável . 103 Isto é, a experiência de passar por homem ou passar por mulher serve para analisar a prática performática dos corpos dentro de uma suposta continuidade entre sexo, gênero e desejo. A ideia de passar por inscreve a própria heteronormatividade enquanto perfor- mance , na qual os corpos são construídos e significados não a partir de uma coerência natural, mas de uma prática social. Esse é muitas vezes o critério utilizado nos discursos das deman- das judiciais quando se diz que o registro civil deve espelhar a realidade. O corpo passável, para o Poder Judiciário, esteve intrinsecamente ligado à realização da cirurgia, que daria a “segurança jurídica” esperada. Para o/a juiz/juíza, em um primeiro momento, não importa se a pessoa é ou não passável, mas se fez a cirurgia. (...)De ma- neira também contraditória (como aquela que adoece o ór- gão para tratar o paciente), a decisão judicial se fundamenta na crença de uma irreversibilidade na decisão de se ver e pertencer a um sexo que é diferente daquele classificado desde o nascimento caso já tenha feito a “readequação”. O/a juiz/juíza reitera a lógica de que o corpo, agora operado, portanto outro, permanece como destino definitivo e não fle- xível do sexo e do gênero. Dito de outro modo, que o corpo cirurgicamente marcado é a garantia de que não haverá a mudança de ideia, como se fosse a materialidade desse fim que nos levaria a um trânsito e uma identificação de um lado para outro, linear e definitivamente 104 . De fato, a passabilidade dos corpos foi valoradas nas decisões judiciais de duas formas: a inconteste cirurgia de transgenitalização e a juntada de documentos e fotos que comprovassem que aquele corpo estava adequado à perfomance de gênero de sua identidade. De acor- do com Duque, “a passabilidade faz toda a diferença para a decisão favorável à mudança de nome e sexo nos documentos”. 105 103 DUQUE, Tiago. Gêneros incríveis: um estudo sócio-antropológico sobre experiências de (não) passar por homem e/ou mulher. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2017. 104 DUQUE, Op. Cit., p. 128. 105 Ibdem.

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz