Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4

53 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. “ É possível a alteração de sexo quando há adequação da sua forma física ao gênero sexual a que pertence ”. 100 Assim, em negrito no original, está expressa a condição para alteração no registro civil. Este argumento espelha uma constante preocupação presente em diversos acórdãos de adequação das identidades aos corpos, e vice- -versa. A autorização para alteração do registro é concedida quando o corpo é “adequado” à condição que se espera a partir de uma matriz cis-heteronormativa. Essa expectativa de coerência é uma forma de cissexismo jurídico. Para Bento, há um olhar que se estrutura a partir das dicotomias corporais e da binariedade para a compreensão das subjetividades que estará apontando os excessos, denunciando aquilo que lembra condu- tas e subjetividades não apropriadas para um homem e uma mulher. 101 A necessidade de coerência e adequação exige a submissão de corpos desviantes do modelo cissexual a procedimentos médicos, que tem função de primeiramente atestar a condição de “anormalidade” mediante um laudo que atesta a patologia daquele indivíduo para, em seguida, acompanhar seu processo de transição ao oposto da matriz binária, ou seja, fazer o trabalho que Bento chama de “assepsia”: A coerência dos gêneros está na ausência de ambiguida- des, e o olhar do especialista está ali para limpar, cortar, apontar, assinalar os excessos, fazer o trabalho de assepsia. É o dispositivo da transexualidade em pleno funcionamento, produzindo realidades e reatualizando-as como verdade nas sentenças proferidas, seja com julgamento, seja com olha- res inquisidores dos membros da equipe médica. 102 Essa dupla violência com vistas à adequação de corpos é fre- quentemente utilizada pelo Poder Judiciário como critério de validade para concessão ou não do pedido de alteração. Duque, ao refletir so- bre os processos de significação do corpo, constrói a noção de corpo 100 TJRS 0089339-67.2017.8.21 .7000. Data: 26/07/2017, p.13 101 BENTO, 2006, Op. Cit., p.60. 102 Ibdem, p. 62.

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