Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4
41 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. do sexo dá espaço ao trabalho do perito, que através de diagnósticos por meio de Códigos Internacionais de Doenças, da Medicina, do “ato médico”, define um critério seguro, científico de verdade: “Não cabe mais ao indivíduo decidir o sexo a que deseja pertencer jurídica ou socialmente; cabe ao perito dizer que sexo a natureza escolheu e que consequentemente a sociedade exigirá que ele mantenha” 66 . A reflexão do autor recai especialmente sobre pessoas intersexo, mas o regime de produção de verdades por meio de saber autorizados também é encontrado em muitas decisões que se pautam pela “verdade biológica” para negar a identidade de gênero de muitas/os demandantes. Não obstante, a ideia de que se deve ter um verdadeiro sexo está longe de ser dissipada. Seja qual for a opinião dos bió- logos a esse respeito, encontramos, pelo menos em estado difuso, não apenas na psiquiatria, psicanálise e psicologia, mas também na opinião pública, a ideia de que entre sexo e verdade existem relações complexas, obscuras e essen- ciais. Somos, é verdade, mais tolerantes em relação às prá- ticas que transgridem as leis. Mas continuamos a pensar que algumas dentre elas insultam “a verdade”: um homem “passivo”, uma mulher “viril”, pessoas do mesmo sexo que se amam… Nos dispomos talvez a admitir que talvez essas práticas não sejam uma grave ameaça à ordem estabeleci- da; mas estamos sempre prontos a acreditar que há nelas algum “erro”. Um “erro” entendido no sentido mais tradicio- nalmente filosófico: um modo de fazer que não se adéqua à realidade; a irregularidade sexual é percebida mais ou menos como pertencendo ao mundo das quimeras. Eis por que nos desfazemos tão facilmente da ideia de que são cri- mes; mas dificilmente da suspeita de que são ficções invo- luntárias ou complacentes, mas de qualquer forma inúteis e que seria melhor dissipá-las. Acordai jovens, de vossos pra- zeres ilusórios; despojai-vos de vossos disfarces e lembrai- -vos que tendes um verdadeiro sexo! 66 Ibdem, p.3
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