Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4
40 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. cípios que somente foram reconhecidos a partir da Cons- tituição de 1988. Nesse passo, o “sexo” registral deve ser entendido como gênero, o qual, de acordo com as garantias constitucionais da privacidade e da dignidade da pessoa hu- mana, devem espelhar o modo de ser social do indivíduo. 63 Esse entendimento também é destacado no REsp 1.626.739 do STJ. No entanto, somente encontrou eco nas decisões acima. A maior parte dos julgados deferiam a alteração argumentando que o princípio da veracidade registral deveria ser mitigado em função do princípio da dignidade humana. O entendimento do registro público como espelho da realidade biológica não foi questionado na maior parte dos casos. Em seus estudos empíricos com pessoas transexuais, Bento (2006; 2008) evidenciou que as equipes multiprofissionais do processo transexualizador têm fundamentado seus diagnósticos em concepções sociais e estereótipos sobre “ser homem/ser mulher de verdade”. 64 Foucault ressalta que a necessidade de construção de um sexo verdadeiro é recente, comprovado pelo tratamento que “a medicina e a justiça concederam aos hermafroditas. Muitos séculos se passaram até que se postulasse que um hermafrodita deveria ter um único e verda- deiro sexo. Durante séculos, admitiu-se simplesmente que ele tivesse os dois”. 65 A recusa da ideia de dois sexos em um só foi propiciada por três fatores: as teorias biológicas da sexualidade, as concepções jurí- dicas do indivíduo e as formas de controle administrativo nos Estados Modernos. Esses marcos contribuíram para a construção de uma ideia de identidade sexual primeira, profunda e verdadeira. A pergunta com que Foucault introduz o texto “O verdadeiro Sexo” é: Precisamos verda- deiramente de um verdadeiro sexo? No campo do Direito, a resposta se ancora na segurança jurídica, responsável por assegurar e garantir por meio da confiança legítima. A busca pelo sexo verdadeiro nas pes- soas intersexo, de acordo com Foucault, revela essa obstinação do Di- reito em atestar uma realidade que seja livre de fraudes. A livre escolha 63 TJSP n. 1001343-55.2016.8.26.0001 Data 30/08/2017 p. 14 64 BENTO, 2006 e 2008, Op. Cit. 65 FOUCAULT, Michel. Le vraie sexe [1980]. In: Dits et écrits IV. Paris, Gallimard, 1994.
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