Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4

31 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. sociocultural enquanto o sexo está na dimensão médico-biológica. O corpo verdadeiro seria, então, o biológico, garantido pela Medicina e assegurado pela cirurgia. Essa segurança, proporcionada pela irrever- sibilidade (“perenidade”) da cirurgia evitaria “as sucessivas mudanças de gênero conforme conveniências do momento”. A transexualidade, aqui, é desacreditada enquanto “identidade estável” se não for asse- gurada pelo processo cirúrgico, que garantiria consequentemente a segurança jurídica. Se, para o segundo julgador, “o transexual, em regra, não quer ser reconhecido como transexual, muito menos pelo gênero, mas como homem ou mulher”, para o terceiro julgador há a possibilidade de “mudanças de gênero conforme conveniência do mo- mento”. Essas duas compreensões da transexualidade, além de serem diametralmente opostas, baseiam-se em estereótipos da “identidade transexual”. Essa essencialização é observada em muitos julgados, que não levam em consideração a experiência vivida por cada deman- dante, mas ancoram-se em um discurso universalista sobre o que é ser transexual . 42 A multiplicidade de vivências identitárias de gênero não é aglutinável em uma única categoria “transexual” e, ao apostar na com- preensão unívoca, os julgados reproduzem estereótipos de gênero que frequentemente são divergentes entre si. O paradigma biológico é utilizado também como argumento para indeferimento de alteração do sexo no registro civil no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao julgar Agravo de Instrumento. Após citar a decisão paradigmática do STJ no REsp 1.626.739/RS de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, o voto do relator cita pretensão da agravante de “adequação da sua identidade de sexo à sua identidade de gêne- ro”, como se houvesse duas identidades dissonantes, uma derivada do sexo e outra do gênero. 42 Borba aponta a construção de um “transexual verdadeiro” pelos sistemas de saber-poder. Ao utilizar o termo genérico “transexual”, como uma categoria universal, promove-se uma essencialização de diferentes experiên- cias e subjetividades. BORBA, Rodrigo. Receita para se tornar um “transexual verdadeiro”: discurso, interação e (des) identificação no Processo Transexualizador. Trab. Ling. Aplic., Campinas, n(55.1): 33-75, jan./abr. 2016. Go- mes de Jesus faz críticas à utilização do termo de maneira genérica: Evite utilizar o termo isoladamente, pois soa ofensivo para pessoas transexuais, pelo fato de essa ser uma de suas características, entre outras, e não a única. Sempre se refira à pessoa como mulher transexual ou como homem transexual, de acordo com o gênero com o qual ela se identifica. GOMES DE JESUS, J. Orientações sobre identidade de gênero: Conceitos e Termos. 1ª ed. Goiânia:Ser-tão – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade/UFG., 2012.

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