Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4

29 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. vacidade? Ao contratar uma pessoa, o patrão não tem direito de saber o sexo biológico?” 41 Essas indagações serão retomadas mais à frente para explorar os argumentos que utilizam o resguardo do direito de terceiros como fundamento para indeferir a alteração do sexo. Por isso, além de negar um direito com base em um hipotético relacionamento, as indagações utilizadas pelo julgador não são factíveis, uma vez que dificilmente, em especial nos relacionamentos contemporâneos, os/as parceiros/as somente mantêm relações sexuais após um compromisso formal. O mais comum é que se desconheça o que consta na certidão de nascimento ou no registro civil de um/a parceiro/a, já que a própria constância do relacionamento afetivo revela suas intimidades. A não ser em casos raríssimos hodiernamente, quando a intimidade é guardada para depois da formalização de um compromisso matrimonial, o que poderia se configurar, no caso, uma fraude. No entanto, a situação além de não ser factível, apela para um argumento novelesco, utilizado para negar direitos fundamentais. A terceira indagação proposta é ainda mais absurda. Imagine- mos que alguém contrata um pintor de parede para realizar um serviço em sua casa. Ora, a “verdade biológica” do/a prestador/a do serviço é irrelevante. Se é verdade que “patrões” não devem saber a “verdade biológica” de pessoas cisgêneras, porque deveriam sabê-lo de pes- soas transexuais e transgêneras? A necessidade de saber o sexo bio- lógico passa a ser relevante, de acordo com o indagado, quando se trata de uma pessoa trans que está prestando um serviço profissional. A discriminação subjaz à pergunta posta. Do contrário, qual seria a necessidade do patrão saber o sexo biológico de seu empregado, se- não para passar a tratá-lo de forma discriminatória “como uma pessoa transexual”? A transfobia contida nessa indagação é sugestiva também pelo vocábulo “patrão” utilizado. O termo pode ser utilizado como sinô- nimo de chefe, mas a escolha por “patrão” revela um chefe do lar, em relação a empregados domésticos. Do latim patronus , significa “aquele que protege os plebeus”. Resta saber do que ou de quem os plebeus precisam ser protegidos. 41 Ibdem, p. 14-15.

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