Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4
23 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. Bento utiliza o conceito de Butler de performatividade 34 para ex- plicar essa matriz de inteligibilidade de gênero que naturaliza e essen- cializa determinadas formas de existência de forma binária (macho/ fêmea, homem/mulher) e supostamente lógica. Assim sendo, o “ser mulher” seria a expressão lógica de indivíduos com estruturas cromos- sômicas XX e o “ser homem” também derivaria logicamente de indiví- duos com estruturas cromossômicas XY. Butler vai além de Beauvoir e questiona a ideia de um sexo natu- ral ou pré-discursivo. Sendo assim, o sexo/gênero “não é um substanti- vo, mas também tampouco é um conjunto de atributos flutuantes, pois (...) seu efeito substantivo é performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras de coerência de gênero”. Nãoháportanto,paraaautora, umdeterminismobiológico, umasubs- tância anterior à identidade que a determina, “não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero, essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias ‘expressões’ tidas como seus resultados”. 35 Para Bento, o tratamento médico-psiquiátrico de identidades trans* tem desdobramentos micro e macro. O primeiro seria intragru- po, ou seja, como um/a transexual valora outro/a. Já o desdobramento macro se refere à compreensão que as instituições têm dos/as transe- xuais, “especialmente a Justiça e a Medicina, que diante das demandas para mudança dos documentos e/ou dos corpos, fazem avaliações so- bre suas feminilidades/masculinidades” 36 . A inovação do pensamento estruturalista e pós-estruturalista é deslocar o foco de análise do sujeito para a estrutura social e o com- portamento de suas instituições. Dessa forma, no lugar de estudar “o fenômeno transexual”, busca-se compreender como foram articulados 34 A noção de performatividade para Butler pode ser descrita como: “(...) atos, gestos e desejo produzem o efei- to de um núcleo ou substância interna, mas o produzem na superfície do corpo, por meio do jogo de ausências significantes, que sugerem, mas nunca revelam, o princípio organizador da identidade como causa. Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de o corpo gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico separado dos vários atos que constituem sua realidade”. (BUTLER, 2003, p. 194). 35 Butler, Op. Cit., p. 56 36 BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006, p. 43.
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