Relatórios de Pesquisa Nupegre | Número 4

20 Relat. Pesq. NUPEGRE, Rio de Janeiro, n. 4, 2019. A compreensão da biopolítica e da articulação entre Política e Medicina é especialmente relevante neste estudo na medida em que pretendemos entender neste primeiro tópico como o discurso jurídico se articula/utiliza o discurso médico para legitimar uma determinada representação ou verdade sobre a transexualidade. O saber médico- -administrativo, nas palavras de Foucault, passa a prescrever condutas, especialmente a partir do final do século XIX. A Medicina ganha um sta- tus de verdade inquestionável, com máxima autoridade científica reali- zando uma série de “prescrições que dizem respeito não só à doença, mas às formas gerais da existência e do comportamento (a alimentação e a bebida, a sexualidade e a fecundidade, a maneira de se vestir, a disposição ideal do habitat)” 26 . A produção da “verdade” 27 ou dos discursos verdadeiros/ofi- ciais/legítimos é uma das maiores preocupações do filósofo, pois “não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e o que não se diz; é preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como são distribuídos os que podem e os que não podem falar, que tipo de discurso é autorizado” 28 . Essa produção da verdade está intimamente ligada ao poder que através de mecanismos, efeitos, relações, articula diversos dispositivos 29 produtores de verdades e identidades e repres- sores de formas de vida e vivências da sexualidade. 26 Ibdem., p. 207 27 Nas palavras do autor: “Como o poder que se exerce sobre a loucura produziu o discurso ‘verdadeiro’ da psiquiatria? O mesmo em relação à sexualidade: retomar a vontade de saber onde o poder sobre o sexo se embrenhou. Não quero fazer a sociologia histórica de uma proibição, mas a história política de uma produção de ‘verdade’”. FOUCAULT, Ibdem., p. 128. 28 FOUCAULT, M. História da sexualidade. v. 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1988, p. 29 29 Foucault define dispositivo da seguinte forma: “Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, deci- sões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, fi- lantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos”. FOUCAULT, Ibdem.,p. 138. Revel explica o emprego do dispositivo em Foucault da seguinte forma: “o termo ‘dispositivos’ aparece em Foucault nos anos 70 e designa inicialmente os operadores materiais do poder, isto é, as técnicas, as estratégias e as formas de assujeitamento utilizadas pelo poder. A partir do momento em que a análise foucaultiana se concentra na questão do poder, o filósofo insiste sobre a importância de se ocupar não ‘do edifício jurídico da soberania, dos aparelhos do Estado, das ideologias que o acompanham’, mas dos mecanismos de dominação: é essa escolha metodológica que engendra a utili- zação da noção de ‘dispositivos’. Eles são, por definição, de natureza heterogênea: trata-se tanto de discursos quanto de práticas, de instituições quanto de táticas moventes: é assim que Foucault chega a falar, segundo o caso, de ‘dispositivos de poder’, de ‘dispositivos de saber’, de ‘dispositivos disciplinares’, de dispositivos de sexualidade” etc. Cfr. REVEL, Op. Cit., p. 39

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