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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro



“Você procura um trabalho e não encontra. No fim do dia, ao procurar seu lar, você não tem”, diz palestrante em evento sobre “Fraternidade e Direitos a quem mora nas ruas”


Você procura um trabalho e não encontra. No fim do dia, ao procurar seu lar, você não tem, diz palestrante em evento sobre “Fraternidade e Direitos a quem mora nas ruas
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“Em outubro de 2020, a prefeitura municipal do Rio de Janeiro fez um censo sobre as pessoas em situação de rua da cidade e o número ultrapassou a marca de sete mil pessoas morando nas ruas. Entre os motivos que levam essas pessoas para as ruas, estão os conflitos familiares, alcoolismo, consumo de drogas, perda do emprego e a falta de fonte de renda. O número cresceu na pandemia e vai aumentando cada vez mais. Em São Paulo a situação não é diferente”, disse a diretora-geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), desembargadora Cristina Tereza Gaulia, doutora em Direito pela Universidade Veiga de Almeida e mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá, na abertura do evento desta terça-feira, dia 20.


Promovido pelo Fórum Permanente de Biodireito, Bioética e Gerontologia da EMERJ, o webinar “Fraternidade e Direitos a quem mora nas ruas” debateu as políticas públicas para as pessoas em situação de rua, assim como o abandono, desumanização, higienismo social, desigualdade social e invisibilidade. A presidente do Fórum, juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo, doutora em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva em Associação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense e Fiocruz, e mestre em Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, questionou:


“O tema do encontro mexe com uma questão que é muito cara para mim, pois falamos muito sobre solidariedade, mas a fraternidade me diz mais. A solidariedade diz respeito a darmos o que nos sobra, enquanto a fraternidade faz com que tenhamos todas as pessoas como irmãos e irmãs. Hoje, estamos em um momento em que ter um prato de comida, um pão ou um café com leite, é tudo que as pessoas estão pedindo. Quando falamos em falta de teto, de abrigo, de ficar em casa, lembramos de pessoas vivendo sua quarentena de forma muito diferente. O quê é isso que nosso país vive?”.


Participaram do encontro o padre, pedagogo, militante e ativista dos direitos humanos da população em situação de rua, Júlio Lancellotti, que ganhou destaque na mídia após retirar, a marretadas, blocos de paralelepípedos instalados na parte inferior de viadutos na Zona Leste da Capital de São Paulo, colocados com o objetivo retirar a população de rua do local; a militante e ativista dos direitos humanos da população em situação de rua Vânia Rosa, uma respeitada integrante do movimento nacional de ajuda às pessoas em situação de rua; e a juíza Maria Cristina Barros Nagib.


“Hoje, a população em situação de rua aumenta mais que o crescimento demográfico das cidades. O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) considera que temos mais de 220 mil pessoas em situação de rua no país. A pessoa que está na rua não escolheu estar nessa situação; ela é levada, empurrada”, comentou o padre ao iniciar sua fala.


Ele também explicou: “A solidariedade, a compaixão e a misericórdia não são dimensões religiosas, e sim dimensões humanas. Os ateus também são solidários e misericordiosos. Não podemos privatizar a solidariedade com religião. Nossas ruas e praças estão cheias, se tornando acampamentos de refugiados urbanos. As respostas do Poder Público são muito tímidas. Algo que precisamos incentivar, pressionar e exigir são respostas geradoras de autonomia, algo que as pessoas sejam capazes de responder em sua própria velocidade e capacidade”.


O padre Júlio Lancellotti contou, durante sua exposição, histórias das quais se deparou nas ruas. Em determinado momento, lembrou do dia em que tocou com as mãos nas costas de uma pessoa em situação de rua e a perguntou o que aquilo lembrava. Como resposta, recebeu: “minha mãe”.


O padre então lembrou: “Essas pessoas têm sentimentos, emoções, sonhos, dores, frustrações. Não podemos negar que são seres humanos. A população em situação de rua não é anjo ou demônio: são pessoas”, disse.


Vânia Rosa, que hoje coordena o projeto “Banho de Alegria”, é conselheira suplente do Conselho Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e idealizadora do “Projeto Juca” e “Coletivo Rua Solidária”, fez um depoimento sobre sua história de vida. Em suas palavras, chamou a atenção para a falta de políticas públicas, fome, sede, moradia e oportunidades.


“Nessas calçadas que todos passam diariamente, basta conversar com uma pessoa em situação de rua, basta você sentar e ouvir dela sobre todas as faltas de políticas públicas. Eu estive quase 15 anos nessa situação e posso dizer, de verdade, que a rua não é uma escolha; jamais será uma escolha. A rua é uma consequência de muitos problemas”. Ela completou: “Eu sabia que aquilo não era vida para ninguém. Uma coisa é você estar na rua passeando, indo ou voltando do trabalho, jogando milho para o pombo; outra é estar ali por não ter outra alternativa. Você procura um trabalho e não encontra. Você procura um alimento e é difícil. No fim do dia, ao procurar seu lar, você não tem. É aquela pessoa que estará em uma calçada com papelão”. Vânia Rosa viveu nas ruas após ter problemas com bebidas alcoólicas.


Em poucas palavras, o padre Júlio Lancellotti resumiu a invisibilidade e a visibilidade das pessoas em situação de rua: “A população de rua uma hora é visível, outra hora invisível. Quando estão sofrendo, abandonados e com fome, são invisíveis. Quando estão na porta de uma loja, da igreja, do shopping ou do condomínio, são visíveis. É uma visibilidade seletiva com essas pessoas”, afirmou.

Para assistir à transmissão completa do encontro, transmitido via Zoom e YouTube, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=llwB8IGlXPM&ab_channel=Emerjeventos


Foto: Rosane Naylor

20 de abril de 2021


Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)