A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou, na noite da última segunda-feira, dia 1, via Zoom e YouTube, a Aula Magna “Saberes essenciais à Justiça: diálogo entre o Direito e as relações sociais”. Convidados pela diretora-geral da Escola, desembargadora Cristina Tereza Gaulia - que abriu, presidiu e encerrou o evento -, quatro renomados juristas, integrantes da Comissão de Juristas Negros da Câmara dos Deputados, palestraram a respeito de temas como racismo estrutural e institucional, e desigualdade social.
“Quantos juízes negros você conhece? Quantas defensoras públicas negras já lhe atenderam? Lembro de uma frase da defensora pública Lívia Casseres, de que o Ministério Público não tem rosto de gente, não tem cheiro de povo e não gosta do povo. O nosso sistema de Justiça reproduz racismo institucional, não só no quadro, mas também na forma como pretende fazer justiça. O Conselho Nacional de Justiça tem dados importantes sobre o perfil sociodemográfico da magistratura brasileira, de 2018, quando se dá conta de que a magistratura é composta por apenas 18% de pessoas negras. Mulheres negras ocupam apenas 6% dos cargos. Isso impacta na forma como é feita a justiça. Não temos dados a respeito do Ministério Público, não sabemos quantas pessoas negras ocupam cargos. Como reconhecer uma realidade sem dados?”, questionou a promotora de Justiça Lívia Sant’Anna Vaz, doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.
O juiz André Luiz Nicolitt, doutor em Direito pela Universidade Católica Portuguesa e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, falou a respeito da população carcerária: “Quando falamos em população negra, estamos falando da maior parte da população brasileira. Quando falamos do sistema carcerário, estamos falando esmagadoramente de pessoas pretas e pardas. Não há como entender o sistema penal sem entender a realidade. As pessoas negras são as que mais morrem, as que mais sofrem violência doméstica. Hoje, precisamos entender o sistema penal e a História do Brasil. Vivemos em um país de 350 anos de escravidão”.
O professor e advogado Adilson José Moreira, doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, convidou os participantes e espectadores para pensar como um negro, tema de uma de suas prestigiadas obras: “Pensando como um negro - Ensaio de hermenêutica jurídica”.
“Como podemos produzir justiça social sendo neutros em relação ao racismo? É possível na sociedade mais racialmente desigual do planeta? Estamos na sociedade que mais mata negro no mundo. Pensar como um negro - como eu convido na minha obra -, significa pensar o Direito, especificamente o princípio da igualdade, como algo que tem um propósito fundamental. Esse propósito é a emancipação dos grupos tradicionalmente discriminados. O que se espera no Direito Penal é a igualdade de tratamento, e essa igualdade não existe em função dos estereótipos raciais. Na sociedade brasileira, negros não tem o mesmo nível de respeitabilidade social que pessoas brancas têm. Não temos o mesmo tratamento no Direito Penal”, disse o professor, que também escreveu os livros “Racismo Recreativo” e “Cidadania sexual - Estratégia para ações inclusivas”.
“É importante partirmos do pressuposto de que o Direito tem um papel de camuflar as diferenças raciais e legitimá-las. Mas o Direito, por muitas vezes, vai encobrir essa discriminação dos negros. Somos ensinados nos bancos de faculdade sobre o princípio da igualdade formal e material, e somos levados a entender que emanam da norma jurídica a Justiça e a Ética, mas não nos questionamos sobre esse papel naturalizador da inferiorização dos negros. É como se fosse algo justo e natural a condição de inferioridade de um sujeito negro”, comentou a defensora pública Lívia Casseres, doutoranda em Direito e Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado, ambas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Em sua apresentação, a defensora pública ainda abordou a importância da Convenção Interamericana contra o Racismo.
No encerramento da aula magna, a diretora-geral da EMERJ, desembargadora Cristina Tereza Gaulia, doutora em Direito pela Universidade Veiga de Almeida e mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá, afirmou que é importante a troca de experiência entre juristas negros, de diferentes lugares. A magistrada disse: “É necessária essa múltipla troca de informação de juristas que estão em lugares diferentes, por isso trouxemos operadores do Direito de diferentes áreas. Como em um tabuleiro de xadrez, é importante trocarmos de lugares. É importante que estejamos em salas de aula ou mesas coletivas, como a de hoje, para ouvir a diversidade de ideias. Na Justiça, precisamos pensar em qual juiz, defensor, advogado ou promotor queremos ser”.
Para assistir à transmissão completa, acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=TUb3BHD1VlM&ab_channel=Emerjeventos
02 de Março de 2021