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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro



“Vírus, a face globalizada do mal” é o tema do artigo escrito para EMERJ do professor Vicente Barretto


“Virus, a face globalizada do mal” é o tema do artigo escrito para EMERJ do professor Vicente Barretto
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Vírus, a face globalizada do mal
Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto
Prof. do PPGD da UNESA
Presidente do Fórum Filosofia, Ética e Sistemas Jurídicos

 

A pandemia do novo coronavirus-19 trouxe à luz do dia realidades, que se encontram submersas na vida das sociedades contemporâneas. A literatura tem tratado do assunto em clássicos como o livro de Daniel Defoe ( A Journal of the Plague Year, 1722) e no século XX no livro de Graham Greene( A Burn-out Case) e, o mais comentado, A Peste de Albert Camus, que mostram como as epidemias brotam no seio da sociedade humana, matando populações inteiras e destruindo, por dentro, sistemas de proteção social, de saúde e econômicos.  A pandemia provoca, ao lado do medo e ameaça da doença, o surgimento de um terreno fértil para o surgimento de manifestações políticas autoritárias e negacionistas de todo o conhecimento cientifico.  Nesses momentos históricos, somos chamados a recuperar valores que se expressem em padrões, que nos permitam romper a turva camada que embota a imaginação e paralisa a ação contra o vírus.  Trata-se, portanto, de reconhecer que para além da sua dimensão epidêmica, o virus é a face globalizada do mal, que se manifesta travestido em coronavirus-19.
A conjugação de todos os fatores específicos da globalização faz com que se fale em “sociedade de risco”, que vê explodir o mal, sob a forma de doença virótica, que não tem gênero, pátria, religião, não reconhece fronteiras. Essa sociedade poderia ser caracterizada por riscos e perigos de hoje, que se diferenciam das mesmas ameaças na Idade Média, em virtude da globalização. Observa-se, no entanto, um fenômeno político e social que se torna cada vez mais presente no cenário nacional e internacional: à medida que se fortalece a conscientização política sobre o necessário respeito a valores e bens comuns da humanidade, como dique à maré montante dos malefícios de um processo que se expressa como o mal, esses bens e valores tornam-se cada vez mais indivisíveis. Racional e eticamente os desafios da pandemia nos conduzem à busca de um tratamento global, que envolve todos os estados, comunidades e grupos sociais, no qual o princípio da responsabilidade irá se substituir ao da soberania; cada estado será o depositário fiel da sobrevivência do planeta, do seu desenvolvimento e dos valores humanos, que são universais.

 

Um modelo universal ou cosmopolita de organização político-social encontra-se, assim, em fase de gestação, o que até então somente tinha sido imaginado na especulação filosófica ou ideológica. Esse modelo, que deverá responder às forças atuantes na realidade política, social, econômica e cultural, tem um caminho determinado por referenciais comuns a todos os povos e nações. Esses referenciais – os direitos humanos-  é que servirão de fonte legitimadora de um novo sistema jurídico, necessariamente universal, e que possa lidar com o mal em suas diversas facetas.

 

Os direitos humanos ultrapassam, assim, os direitos fundamentais e apontam para comunidades de responsabilidade, que presidem um novo quadro de relações internacionais, onde a ação política deixa de refletir somente a vontade soberana do estado nacional e expressa, também, políticas públicas que considerem as necessidades, que como o vírus, afeta todas as classes sociais. Dai a necessidade de aprofundarmos, no campo da teoria do direito, a ideia de comunidades de responsabilidade, onde todos somos responsáveis por todos, num sistema jurídico que se fundamenta nos direitos humanos. O bacilo, o vírus, a bactéria não morrem e um dia, como escreveu Albert Camus, irão acordar e lançar os seus ratos, portadores da doença, para a infelicidade e ensino dos homens, no seio de uma cidade pacifica e feliz, trazendo mais uma vez morte, ódio e destruição. A guerra separa os povos, as pandemias têm o condão de os unir.

 

Virus caveat!


08 de abril de 2020