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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro



Magistrados e cientistas debatem direitos sexuais e reprodutivos


Magistrados e cientistas debatem direitos sexuais e reprodutivos
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No segundo dia do "Ciclo de Debates sobre os Direitos Sexuais e Reprodutivos", nesta terça-feira, 22 de setembro, dois médicos e uma socióloga falaram sobre construção e desmonte da arquitetura desses direitos, sobre as portarias do Ministério da Saúde e sobre a realidade nas unidades de atendimento.


O desembargador André Andrade, diretor-geral da EMERJ, e a juíza Adriana Ramos de Mello, presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero e do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE), abriram o evento.


"Infelizmente na nossa sociedade ainda é muito importante falarmos sobre direitos sexuais e reprodutivos. O que deveria ser algo já considerado consumado, ainda precisa ser debatido, por que há muito ruído, muita discordância nesse tema. Muitas vezes por questões religiosas ou morais não se reconhece esses direitos como direitos fundamentais", destacou o desembargador André Andrade.


"Estamos num momento muito importante, de reflexão, de tristeza. No campo internacional, nós estamos observando um posicionamento do Brasil que traz retrocesso no campo dos direitos das mulheres. Mas não podemos deixar de lutar, principalmente nas áreas do Direito e da Saúde", ressaltou a juíza Adriana Ramos de Mello.


A juíza Katerine Jatahy Nygaard, vice-presidente do Fórum, conduziu o evento: "É muito importante falar sobre os direitos das mulheres hoje. Nos últimos anos vivemos uma crise, com muitas informações e, às vezes, informações não tão fidedignas, que têm influenciado a nossa sociedade de uma forma geral".


Com um breve histórico da luta das mulheres por seus direitos, a socióloga e cientista política Jacqueline Pitanguy começou pela década de 1970, passou pela Carta das Mulheres aos Congressistas- documento que foi a base para a garantia dos direitos das mulheres na Constituição Federal de 1988 - e chegou aos anos 1990 e 2000. Ela destacou a Conferência do Cairo, a Carta de Montevidéu e chegou ao dia de hoje. "Hoje, o que nós assistimos é um desmonte articulado, eficiente, organizado e estratégico, concomitante com a politização da religião. Não tenho nada contra religião, mas sou contra a politização da religião", pontuou a socióloga.


"É como se estivéssemos vivendo uma cruzada entre o bem e o mal. O que mais nós podemos fazer? Qual a nossa capacidade de reação?", questionou Jacqueline Pitanguy.


O médico Thomaz Rafael Gollop, professor da USP e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), falou sobre "Reflexos das Portarias do Ministério da Saúde e Decisões Acerca da Violência". Ele citou a Portaria 2.282, de agosto deste ano, assinada pelo ministro Eduardo Pazuello, que "Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS". O médico criticou algumas determinações da portaria como a obrigatoriedade de comunicar à autoridade policial os casos em que houver indícios ou confirmação de violência: "Se o médico comunica que a mulher foi vítima de violência ele está violando a ética médica. É um absurdo achar que o médico vai infringir o segredo médico".


A Portaria ainda exige muitos documentos e assinaturas para liberar o procedimento do aborto legal: "Muitos documentos, muitas assinaturas significa colocar medo na mulher e inviabilizar o atendimento à mulher vítima de violência", concluiu Thomaz Rafael Gollop.


"São 68 unidades em todo o país que atendem aborto legal, dessas, em 2019, apenas 37 fizeram algum aborto legal, e apenas 15 realizaram dez procedimentos. Uma coisa é ter as unidades, outra coisa é ter o acesso fácil", ressaltou a médica ginecologista e obstetra Ana Teresa Derraik Barbosa ao falar da realidade das unidades de atendimento no Brasil. Ela trabalha no Hospital da Mulher Heloneida Studart, na Baixada Fluminense, uma das unidades que atendem o aborto legal.


"No mês passado eu tive quatro meninas de menos de 12 anos chegando ao hospital em trabalho de parto. Falta informação, já que a gravidez em menores de 14 anos é considerada caso de estupro de vulnerável".


"O Brasil tem 2.000 estupros por dia, metade deles é de meninas com menos de 13 anos", destacou a médica. E ainda acrescentou: "A Organização Mundial da Saúde fez um levantamento durante esta pandemia que revelou que 57 milhões de mulheres em todo o mundo ficaram sem suas necessidades contraceptivas atendidas. E o Brasil lidera a lista de países nessa situação".


O terceiro evento virtual do ciclo de debates será no dia 28 de setembro, data que marca o dia de luta pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina e Caribe. As inscrições devem ser feitas no site www.tjrj.jus.br.


Assista na íntegra em https://www.youtube.com/watch?v=sANPUZfRqHw



23 de setembro de 2020