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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro



EMERJ promove debate sobre liberdade de expressão e respeito às religiões


EMERJ promove debate sobre liberdade de expressão e respeito às religiões O evento lotou o Auditório Antonio Carlos Amorim

O auditório aplaudiu a presença de representantes de diferentes religiões Os palestrantes: William Douglas, Vitor Pimentel, André Andrade, Daniel Sarmento, Anderson Schreiber e Gustavo Binenbojm
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Juristas de diferentes religiões e opiniões se reuniram na EMERJ, nesta segunda-feira, 10 de fevereiro, para um debate sobre “Liberdade de Expressão Humorística e Sentimento Religioso” – tema do evento promovido pelo Fórum Permanente de Mídia e Liberdade de Expressão. O evento lotou o Auditório Antonio Carlos Amorim.


O desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, diretor-geral da EMERJ e presidente do Fórum Permanente, abriu o evento falando da importância do tema: “O papel da Escola da Magistratura é disseminar o conhecimento. É uma escola plural que acolhe todas as opiniões, sem ideologias e sem qualquer tipo de viés político. Esse é um tema sensível, porque além das complexidades jurídicas que possa envolver, também tem um lado emocional, porque trata, de um lado, de um princípio muito caro para a democracia, que é a liberdade de expressão, e de outro lado, trata de um tema que é muito caro para várias pessoas, que é o sentimento religioso, o respeito às religiões”.


O desembargador André Andrade é um estudioso do tema. Ele é autor do livro “Liberdade de Expressão em Tempos de Cólera”, que será lançado em Portugal e no Brasil em março deste ano, resultado de sua tese de doutorado.


Durante o evento, os palestrantes se dedicaram ao debate jurídico, citando a Constituição Federal, o Código Penal e as diferentes leis para defender suas opiniões. O filme “A Primeira Tentação de Cristo”, do grupo Porta dos Fundos, exibido no ano passado, foi o case mais citado pelos juristas.


Vítor Pimentel Pereira, diretor da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro, disse que o tema do discurso de ódio em matéria religiosa foi o objeto de estudos acadêmicos jurídicos de sua tese de mestrado. Ele esclareceu que não estava representando a Igreja Católica, mas apresentando conclusões do seu estudo.


“Há dois grandes modelos ocidentais sobre os limites da liberdade de expressão: o norte-americano e o europeu. O Brasil está mais próximo do modelo europeu, em que se regula mais a questão da liberdade de expressão, quando ela leva a ofensas gratuitas que não levam à promoção do debate nas questões humanas. É o tipo de questão que o magistrado tem que analisar caso a caso, estabelecer parâmetros. É um daqueles hard cases, mas existem limites que, cruzados, configurariam um abuso da liberdade de expressão”, pontuou Vítor Pimentel.


O juiz federal William Douglas disse que o Código Penal considera crime a ofensa religiosa. “Precisamos saber em que sociedade queremos viver. O problema é que estamos vivendo numa sociedade em que pessoas, por questões ideológicas, mera antipatia ou preconceito estão se sentindo no direito de desrespeitar a lei. O artigo 208 está lá, a Lei Caó (Lei 7.716/89) está lá. Temos que respeitar o que está no papel. Se está errado, vamos ao Congresso para mudar, mas enquanto isso temos que respeitar as pessoas”, destacou o juiz federal.


(“Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.” - art. 208 - CP)


O professor de Direito Constitucional da UERJ, Daniel Sarmento, tem outra opinião: “Eu acredito que deva prevalecer a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão. A religião não é um tabu na ordem jurídica brasileira. As pessoas têm direito de criticar as religiões. Este caso concreto (o filme do Porta dos Fundos) não envolveu nenhum tipo de lesão à liberdade religiosa, ninguém foi impedido de praticar a sua religião ou de ter a sua crença. E o humor está plenamente contemplado dentro da liberdade de expressão. O uso do humor é uma forma muitas vezes de discutir o exercício do poder. E nós sabemos que existe poder religioso, inclusive que frequentemente oprime minorias sexuais”.


“Não concordo que hajam direitos absolutos nem direitos superiores na nossa Constituição. Nem a liberdade de expressão é um direito superior aos outros, nem a liberdade religiosa. São direitos fundamentais como todos os outros e pode acontecer de, em algumas situações, esses direitos colidirem. E quando isso ocorre é preciso resolver à luz da ponderação”, disse o procurador do Estado do Rio de Janeiro Anderson Schreiber. Para ele, não há caráter preferencial da liberdade de expressão, mas é preciso definir os parâmetros, sem deixar a discussão ser guiada por impressões, intuições e sentimentos.


Por fim, falou o professor e vice-presidente do Fórum Permanente de Mídia e Liberdade de Expressão, Gustavo Binenbojm, que defendeu a liberdade de expressão: “Anular de alguma forma a expressão das pessoas na sua singularidade, na sua identidade, ainda que essa expressão nos seja equivocada, ainda que expresse ideias com as quais não concordemos e ainda que possamos criticar essas ideias, é condição de respeito à humanidade de cada pessoa, que é um valor em si, independentemente de seu credo e de sua convicção filosófica. Cada pessoa tem direito a ser o que é, do jeito que quiser ser. As religiões têm o direito de ter os seus fiéis e propagar a sua fé, mas não é possível o Estado ser uma espécie de domesticador do que as pessoas pensam”.



10 de fevereiro de 2020