Relatório NUPEDICOM

73 Relat. Pesq. NUPEDICOM, Rio de Janeiro, n. 1, 2022. Outra causa para a atitude cautelosa do TJRJ, além da perplexi- dade do acontecimento histórico em si, foi certamente a postura vaci- lante da doutrina brasileira que, impactada pela Lei do RJET, tendeu majoritariamente a não ver a pandemia como uma justa causa para a revisão judicial dos contratos, ora ao argumento de que se trataria de um evento previsível (ignorando que decisivo não é a previsibilidade do evento abstrato “pandemia”, mas a imprevisibilidade do evento concre- to “pandemia de covid-19”), ora ao argumento de que a pandemia “não afetou o contrato”, ou seja, o sinalagma contratual, mas tão só a “situa- ção financeira do devedor”, ignorando que o coronavírus não afetou um devedor individual, mas inúmeros devedores dos mais diversos tipos contratuais, ao provocar uma crise sistêmica nas cadeias de produção, distribuição e consumo em todo o mundo. Com isso, está-se a dizer que o coronavírus não foi um problema individualizado, mas um problema generalizado, sistêmico e global, que não se soluciona eficientemente através dos instrumentos da in- solvência, recuperação (extra)judicial ou falência, mas sim — e princi- palmente — através da revisão contratual, que, preservando o contrato, viabiliza o seu cumprimento, permitindo a satisfação de credor e deve- dor, e fomenta a economia. Na contramão desse entendimento, a doutrina alemã foi uníssona ao mostrar que o coronavírus provocou um desequilíbrio em muitos contratos, pois a pandemia de covid-19 consistiu em evento anormal, não antevisto pelas partes e não abarcado pelos riscos (legais e/ou consensuais) assumidos por cada um dos contratantes, que provocou uma crise sistêmica na grande base do negócio, isto é, nas condições sociais e econômicas fundamentais, impedindo o uso do imóvel confor- me o contrato e provocando a abrupta perda ou redução da renda do locatário devido à ordem de fechamento dos estabelecimentos comer- ciais e restrições de circulação. E, assim, seguindo o legislador e a doutrina, a Jurisprudência ale- mã reconheceu o caráter excepcional da pandemia de covid-19, cujo risco de ocorrência não fora antevisto, nem assumido pelo locatário, não podendo ele, consequentemente, suportar sozinho os custos da

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