Relatório NUPEDICOM
72 Relat. Pesq. NUPEDICOM, Rio de Janeiro, n. 1, 2022. Uma quarta conclusão que emerge da pesquisa empírica e que está umbilicalmente ligada com a primeira é que, enquanto o TJRJ foi reticente em revisar os contratos de locação comercial em decor- rência da crise pandêmica, os tribunais alemães se mostraram, a princípio, mais dispostos a intervir nos contratos, embora contro- lando rigidamente a demonstração dos pressupostos da quebra da base do negócio , principalmente o requisito da excessiva dificuldade de prestar, que torna irrazoável a manutenção inalterada do contrato e, consequentemente, faz necessária a readaptação do negócio. Embora seja necessária uma pesquisa empírica mais aprofunda- da para identificar as causas da cautela da Corte fluminense, pode-se apontar, pelo menos no contexto da pandemia, algumas causas prová- veis. A primeira delas é a postura restritiva do legislador brasileiro que – surfando na onda neoliberal norte-americana que invadiu o país nos últimos anos em reação à onda social inaugurada com a Constituição Federal (1988), a Lei de Proteção e Defesa do Consumidor (1990) e a Codificação de 2002 – tentou intimidar o julgador ao positivar a regra da excepcionalidade da revisão contratual e da intervenção mínima pre- vista nos arts. 421, parágrafo único, e 421-A do Código Civil e, não por último, no malfadado art. 7º da Lei 14.010/2020. Essa postura conservadora e retrógrada, que busca o cumpri- mento a ferro e fogo dos contratos, em uma espécie de revival do ve- tusto princípio do pacta sunt servanda , contrasta com a postura social dos estados europeus e latino-americanos, que, diante do evento mais extraordinário e imprevisível desde a 2ª Guerra Mundial, não hesitaram em intervir nos contratos de locação para suspender o exercício do di- reito de denúncia e despejo por falta de pagamento durante os meses mais dramáticos da crise de saúde pública, a exemplo da Alemanha, onde, como demonstrado, o legislador — ao contrário do brasileiro — fez questão de deixar expresso na lei que a paralisação das atividades econômicas era um acontecimento hábil a provocar a quebra da base dos contratos de locação comercial e arrendamento, cabendo ao Ju- diciário verificar no caso concreto os demais pressupostos de aplica- ção do instituto da quebra da base do negócio, principalmente a prova, pelo locatário, da excessiva dificuldade de pagar o aluguel.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz