Relatório NUPEDICOM

57 Relat. Pesq. NUPEDICOM, Rio de Janeiro, n. 1, 2022. e o vício jurídico ( Rechtsmangel ) 33 . Em casos excepcionais, doutrina e jurisprudência admitem até que obstáculos e restrições ao uso da coisa, provenientes do Poder Público, que impedem o uso do objeto conforme ao contrato, possam configurar vício na coisa. Para tanto, po- rém, é necessário que esses obstáculos e restrições se baseiem em qualidades concretas da coisa e não em circunstâncias pessoais e/ou operacionais do locatário 34 . Com base nesse amplo conceito de vício, minoritária doutrina advogou que o fechamento da loja, determinado pelo Poder Público por causa da pandemia, configuraria vício da coisa, vez que a ordem de fechamento estaria vinculada diretamente ao objeto locado e à sua lo- calização dentro da área de risco epidemiológico. E, em assim sendo, o locador poderia pedir um abatimento no valor do aluguel. A opinião amplamente majoritária, contudo, reconhece a necessidade de revisão do aluguel sob outros fundamentos. Aduz, principalmente, que o fecha- mento da loja não configura vício, vez que a proibição de funciona- mento – embora constituindo obstáculo ao uso do imóvel locado – não tem causa na qualidade, no estado ou na localização do bem . De fato, para configurar vício na coisa, afirmou o Bundesgeri- chtshof no leading case abaixo comentado, a ordem estatal de fecha- mento precisa decorrer de problemas diretamente relacionados com as qualidades da coisa locada, seu estado ou localização, e não com circunstâncias pessoais ou operacionais do locatário. Na constelação dos casos provocados pela covid-19, a ordem de fechamento e/ou res- trição de uso não se deveu a problemas substanciais ou espaciais no imóvel, mas a circunstâncias operacionais do inquilino, mais pre- cisamente ao tipo de atividade realizada, que favorecia o intenso tráfego de pessoas e, logo, o contágio . Descabe, portanto, a analogia com as hipóteses de vício ou deterioração na coisa do § 536 BGB. Ademais, ao contrário das constelações de defeito (deterioração) na coisa, a ordem de fechamento não tinha por destinatário um locatá- 33 EBERT, Ina. In: Bürgerliches Gesetzbuch Handkommentar . Reiner Schulze (coord.). Baden-Baden: Nomos, 2014, § 536, Rn. 1, p. 796. 34 BGH XII ZR 8/21, Rn. 30, p. 14.

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz