Relatório NUPEDICOM
56 Relat. Pesq. NUPEDICOM, Rio de Janeiro, n. 1, 2022. ± ± Decisão da Comarca de Kempten ( Landgericht Kempten) no processo LG Kempten 23 O 753/20, julgado em 07.12.2020, que também adotou duplo fundamento – defeito na coisa e quebra da base do negócio jurídico – para reduzir em 50% o valor do aluguel. Assim, da mesma forma que no Brasil, mas por razões de fundo distintas, surgiu na Alemanha a dúvida sobre se o fechamento da loja configuraria uma quebra na base do negócio jurídico ou se poderia configurar vício na coisa, nos termos do § 536 I BGB, que — tal como o art. 567 CC2002 — autoriza o locatário a pleitear a redução do aluguel. Enquanto por aqui a ideia se apresentou como alternativa teórica para justificar a revisão contratual fora das específicas hipóteses dos arts. 317 e 478 CC 31 , as quais, na visão da doutrina majoritária, eram inaptas a abarcar os casos de dificuldade excessiva de pagar o aluguel em decorrência da perda ou redução de faturamento provocado pela pandemia, na Alemanha, o recurso à figura do vício na coisa deveu-se ao fato de que o conceito de vício do § 536 BGB é bem mais amplo que no Brasil, não se limitando a um defeito oculto na coisa que a torna im- própria ao uso a que se destina 32 . Com efeito, nos termos do § 536 BGB, o vício é uma descon- formidade entre o estado real da coisa e o estado devido, segundo o contrato . Considera-se vício na coisa locada não apenas o defei- to ( Mangel ) que impede o uso, mas também a falta das qualidades asseguradas pelo locador ( Fehlen einer zugesicherten Eigenschaft ) 31 Interessante notar que embora na Alemanha a corrente flagrantemente majoritária posicione-se a favor da eficácia indireta dos direitos fundamentais sobre o direito privado, o que lhe rende muitas críticas da doutrina brasileira, autores com Jörg Neuner afirmam que, mesmo que a lei emergencial não tivesse proibido o despejo e a denúncia da locação por falta de pagamento durante a pandemia e inexistisse o § 313 BGB (quebra da base do negócio), o Judiciário alemão chegaria ao mesmo resultado por meio de uma interpretação conforme a Consti- tuição. Como já frisou diversas vezes o Tribunal Constitucional alemão, o direito à moradia é direito fundamental, e a casa é o centro da existência, dela dependendo o indivíduo para a satisfação de suas necessidades vitais mais elementares, bem como para a garantia da liberdade e do desenvolvimento da personalidade. NUNES FRITZ, Karina. Entrevista: Prof. Dr. Jörg Neuner. In : German Report, Migalhas, 01.09.2020. Disponível em: <ht- tps://www.migalhas.com.br/coluna/german-report/332717/entrevista--prof--dr--jorg-neuner >. 32 Para uma análise mais detalhada do caso, permita-se remeter a NUNES FRITZ, Karina. BGH: fechamen- to de loja durante a pandemia não é vício nem impossibilidade, mas quebra da base do negócio. Migalhas, 19.01.2022. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/german-report/358248/bgh-fechamento-de- -loja-durante-a-pandemia-nao-e-vicio>.
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