Relatório NUPEDICOM

53 Relat. Pesq. NUPEDICOM, Rio de Janeiro, n. 1, 2022. A rigor, a situação dos locatários de imóveis comerciais não se deixa subsumir sob o art. 317 CC nem sob o art. 478 CC , pois o valor da prestação (aluguel) não se alterou, nem o locatário precisou gastar mais para pagá-lo. O que, de fato, se dá é que eles estão, em decorrência da pandemia, inegavelmente em uma situação de excessi- va “dificuldade de prestar”, como diz Catarina Monteiro Pires, situação distinta da “onerosidade excessiva da prestação” 28 . E, dessa forma, como bem mostra o direito alemão e português, esses casos só se deixam resolver com recurso à teoria da quebra da base do negócio jurídico , que abrange — além das hipóteses dos arts. 317 e 478 do Código Civil — também as situações da ex- cessiva dificuldade de prestar e da frustração do fim do contrato e que é considerada por muitos como implicitamente recepcionada no art. 422 CC. 29 A falta de estudos e debates sobre o tema tem, porém, dificultado sua aplicação. Uma quarta conclusão importante que se extrai dos julgados analisados é que o TJRJ considerou que a pandemia de covid-19 pro- vocou inegavelmente a redução de receitas e, logo, a “onerosidade excessiva da prestação” , elastecendo o conceito do art. 478 CC e fun- damentando, consequentemente, sua decisão ora no art. 478, ora no art. 317 do Código Civil ou, ainda, em ambos. Isso mostra que o tribunal não interpreta restritivamente o conceito de onerosidade excessiva, como defendem alguns autores, no sentido de que haja, necessariamente, um gasto a mais na realização da prestação pelo devedor. Ao revés, como demonstrado acima, sua interpretação, ao menos durante o período estudado, abrangeu a hipótese da queda na re- ceita do locatário, que o “impossibilita” 30 de adimplir o contrato, o que foi 28 PIRES, Catarina Monteiro. Direito das obrigações em tempos de calamidade . Coimbra: Almedina, 2021, p. 13. 29 ROSADO JUNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor . Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 144ss; NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria. Obrigações . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 216ss; COUTO E SILVA, Clóvis. A obrigação como processo . Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 107ss e NUNES FRITZ. Karina. Alteração posterior das circunstâncias , p. 493ss. 30 Atente-se que o verbo “impossibilitar” foi utilizado aqui no sentido vulgar, como frequente na prática, no sentido de estar o locatário em situação de extrema dificuldade de cumprir a prestação, uma vez que a impossi- bilidade, em sentido jurídico, exprime um obstáculo intransponível à prestação e não há impossibilidade jurídica das obrigações pecuniárias.

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